Há mais paixão do que razão nos que querem vê-lo mofar na carceragem e nos que gritam “Lula livre!”
Luiz Fernando Vianna

O ex-presidente Lula acena para apoiadores após comparecer ao velório de seu neto em São Bernardodo Campo, em 2 de março. Foto: Ricardo Stuckert Filho / Reuters
Luiz Inácio Lula da Silva completa
neste domingo 7 um ano preso na sede da Polícia Federal em Curitiba. Cumpre
sentença pelo caso do tríplex do Guarujá. Para aqueles que o odeiam ou o amam,
não faria diferença se fosse pelo sítio de Atibaia ou por ter, sabe-se lá
quando, fumado charuto em local proibido. Há mais paixão do que razão nos que
querem vê-lo mofar na carceragem e nos que gritam “Lula livre!”.
Embora pesem sobre ele acusações de
corrupção, Lula corre forte risco de sair da cadeia (vivo ou morto) maior do
que entrou. É como um móvel que foi tirado da sala, mas que não abandonou as
conversas e os pensamentos das pessoas. Interessa a muitas delas um Lula vivo
(não um mártir completo, portanto), preso (fisicamente subjugado) e sem poder
ser observado ou ouvido – logo, sem utilizar o que tem de mais forte, o
carisma. A outras interessa o líder de volta à cena, sobretudo num tempo tão
desprovido de líderes.
A conjuntura não ajuda. A campanha que
elegeu Jair Bolsonaro presidente e os primeiros cem dias de seu governo
libertaram ignorâncias (nazismo de esquerda, negação de ditadura) e fantasmas
(comunistas doutrinando estudantes nas escolas e nas universidades). Não é
tempo de serenidade e reflexão. Apesar dos 73 anos, de ter passado por um
câncer e de ter acabado de perder um neto, Lula precisa ser mantido na conta de
alguém extremamente perigoso. Tem lugar de destaque no trem fantasma que ronda
o Brasil de hoje.
Mesmo o Supremo Tribunal Federal está
assustado. Mais uma vez foi adiado o julgamento sobre a constitucionalidade das
prisões para condenados em segunda instância – caso do ex-presidente. Ministros
temem tomar uma decisão que resulte na libertação de Lula, e que isso provoque
revolta contra a corte.
Preso a seis meses das eleições, Lula
não conseguiu ser candidato a presidente em 2018. Era o líder nas pesquisas. A
força da sua popularidade não foi medida: ele seria capaz de derrotar
Bolsonaro?
Em comum, os dois têm a origem popular,
modos de agir e falar que não agradam as chamadas elites. E ambos se dizem
adversários delas. Lula as satisfez num governo em que quase todos os setores
ganharam. Empresários e trabalhadores não precisaram fustigar muito a luta de
classes. Eleito em outro momento econômico, Bolsonaro foi adotado pelas mesmas
elites para concluir o serviço que Michel Temer apenas começou: tocar reformas
impopulares. O papel de capitão-do-mato lhe parece incômodo, mas é o que a
casa-grande tem para oferecer em troca de apoio.
O Brasil conta, no momento, com um
governo titubeante e uma oposição, idem. O PSL de Bolsonaro e o PT de Lula
possuem as maiores bancadas de deputados federais, mas é difícil saber o que
elas pensam. Os bolsonaristas agem como delegados de costumes e juram que não
querem cargos para apadrinhados; os lulistas têm vergonha de assumir posturas
independentes e, assim, insinuar que se esqueceram do chefe, cuja libertação
devem priorizar.
É um cenário miserável. Aproveitando o
vazio, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), imagina-se um
novo Ulysses Guimarães – e mira-se um futuro Tancredo Neves, com saúde mais bem
cuidada. Tucanos como José Serra se sentem obrigados, por circunstâncias
políticas e judiciais, a esconder a plumagem, deixando o PSDB acéfalo – ou com
João Dória. Sobram vozes pingadas, como a de Ciro Gomes e seus polissílabos
agressivos.
Desde 1989, ano em que quase derrotou
Fernando Collor, Lula tem sido a baliza mais visível da política nacional. Quem
esteve por perto já ganhou abraços de afogado – como quando ele comprou briga
com o Plano Real, entre 1994 e 1998 – ou ingressos para o Palácio do Planalto,
conquistado em 2002 graças ao perfil paz-e-amor.
Personalista, cioso de sua biografia
incomum, Lula não quis formar sucessores, apenas “postes”. Cortou pedaços das
asas do PT, assemelhando correligionários a súditos. Em sua defesa, pode
afirmar que tem uma história fascinante para ostentar e que coroou um governo
de oito anos fazendo presidente a pouco conhecida Dilma Rousseff.
Fernando Henrique também tem história
e, à sua maneira escorregadia, vem sinalizando resistência a Bolsonaro. No
segundo turno de 2018, porém, preferiu não apoiar Fernando Haddad. Evitou,
assim, virar satélite de Lula. Este era e ainda é a medida principal das
coisas. Agora está preso, e o país está sob um governo desmedido, que não tem
oposição para valer, a não ser a que faz contra si próprio.
Pode-se tentar argumentar que a prisão
de Lula é um assunto técnico: ele teria cometido erros previstos no Código
Penal e precisa pagar por isso. Mas nem seus algozes disfarçam bem o caráter
político dos processos judiciais. Em 2016, Sergio Moro divulgou conversa de
Lula com Dilma obtida quando a autorização para o grampo tinha caducado. Em
2018, na semana da votação do primeiro turno, o mesmo Moro liberou delação do
ex-ministro Antonio Palocci que não tinha valor jurídico, mas podia ter peso
eleitoral. Hoje, Moro é o ministro da Justiça do governo
Como escreveu Elio Gaspari em artigo
publicado na quarta 3, no Globo e na Folha de S. Paulo, “a decisão dos
magistrados um dia será uma nota de pé de página na narrativa de um fato
maior”.
Há muitos fantasmas livres no país em
que Lula está preso. Não parece uma coincidência.
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